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11/01/2011

Ignorância e Lucidez

Ignorância e Lucidez
Santiago Torrente Perez
Todas as técnicas de meditação são uma ajuda para destruir o falso.
                                            Elas não lhe dão o real - o real não pode ser dado. Aquilo que pode ser dado não pode ser real. Você já possui o real só lhe falta afastar o falso.   Osho
                  

Não sei quem disse isso antes, mas o maior problema da humanidade é sua ignorância. Ela é a causa de nossas maiores desgraças e as vezes de nossas maiores alegrias, certamente mais das primeiras do que das últimas. No mundo que vivemos, cheio de fontes de informação e conhecimento, é difícil acreditar que a maioria das pessoas não tenha posto em prática sua inteligência e se deixe levar por crenças, valores, normas sem questionar de onde vieram, para que servem e se tem alguma função ainda no mundo.
E uma das situações que mais me incomoda são as manifestações de preconceito, seja elas quais forem. A mídia tem mostrado vários casos desde alguns rapazes agredidos na Avenida Paulista, São Paulo, por serem supostamente homossexuais e o caso de algumas pessoas moradoras de rua agredidas ou mortas enquanto dormem na calçada.
Mas sem julgar esses atos vamos procurar entender melhor essa questão e procurar esclarecer e dar um outro ponto de vista um pouco mais inteligente do que a repressão pura e simples contra tais atos já que esta não alcança resultados satisfatórios uma vez que essas situações continuam a se repetir.
O preconceito é algo aprendido, ninguém nasce preconceituoso, basta ver crianças brincando num parque onde tenham contato com semelhantes de diversas origens, com problemas físicos ou mentais. Elas não fazem a menor menção de exclusão das pessoas que são diferentes, só terão esse tipo de comportamento se tiverem visto um adulto ter uma atitude assim antes.
Nossa primeira forma de aprender é por imitação, como não temos discernimento simplesmente reproduzimos a ação que vimos. Se em nosso processo de socialização assistimos a um ato preconceituoso em relação a pessoas de etnias diferentes: negros, asiáticos, latinos; homossexuais, deficientes físicos ou mentais, gordos, magros, altos, baixos e outros, afinal qualquer coisa pode ser alvo de preconceito. Após detalhada observação aprendemos a fazer igual ao que assistimos, e ao final não nos lembramos como, quando e onde mas foi assim que aprendemos a ser preconceituosos.
Sabendo disso e detentores de certo discernimento podemos assumir outras posturas e fazer as coisas de modo diferente. Bastando para isso usar um pouco de entendimento do mundo e de auto-observação. Afinal não é porque papai e mamãe ensinaram algo que aquilo é certo ou ainda é útil no mundo contemporâneo. Acredito que com a disponibilização de informação que há hoje temos todas as condições de decidir pensar por nós mesmos e desenvolver nossas próprias opiniões acerca dos mais variados assuntos e deixar de se levar por conceitos e tradições que não tem mais sentido. O difícil é ser, querer e fazer diferente, mas como tudo na vida tudo tem um preço e devemos ter vontade e coragem para pagá-lo.
Avançando em nossa compreensão podemos buscar nos estudos de Bert Hellinger e no processo sistêmico algo que nos dê caminhos para ampliarmos nossa compreensão de como funcionamos.
Segundo Hellinger* estamos submetidos à influencia de três consciências a saber:

A primeira delas, a consciência pessoal, é estreita e tem o seu alcance limitado. Através de sua diferenciação entre o bem e o mal reconhece o pertencer só de alguns e exclui outros.

Como dito acima este limite é dado pelo processo de socialização, é nossa família e relacionamentos próximos que nos dão os parâmetros do que é bom ou mau e fazer a exclusão ou mesmo eliminação do que é considerado inadequado e fora dos padrões aceitos como normais.

A segunda, a consciência coletiva, é mais ampla. Também defende os interesses dos que foram excluídos pela  consciência pessoal. Por isso, está freqüentemente em conflito com a consciência pessoal. Contudo, essa consciência também tem um limite porque abrange somente os membros dos grupos que dependem dela.

Os valores, crenças, formas de ser, sentir, pensar e agir construídos e compartilhados pelo grupo fazem parte desta consciência. Algumas vezes a consciência individual entra em conflito com este nível por falta de entendimento ou mesmo uma interpretação literal e dissociada do jogo da Vida e sua relação com as regras sociais. Mesmo que alguém não aja ou tenha realizado algo que seja contrário ao que é visto como bom, belo e justo esta pessoa pertence ao grupo sendo este: uma família nuclear ou mais extensa, como também a religião, a sociedade e a etnia em que se nasceu. Há vários exemplos que podem servir para entender melhor este processo desde a menina que é expulsa de casa por ter ficado grávida, o irmão doente mental largado no manicômio a própria sorte, o suicida que é esquecido e nunca mais se fala seu nome. Há outros casos semelhantes mas fico com esses mais comuns só para ilustrar como as coisas funcionam. Mesmo que haja exclusão ou mesmo a morte dessas pessoas, o que foram ou fizeram faz parte da história, é uma experiência de vida que não deve ser menosprezada, mas sim integrada ao conjunto familiar e social. Uma vez que caso isso não ocorra, pode ocasionar problemas, pois como um fantasma a energia não integrada age sobre o sistema familiar ou social causando uma série de problemas psíquicos, físicos e outros.

A terceira, a consciência espiritual, supera os limites das outras consciências que colocam limites através da diferenciação entre bom e mau e da diferenciação entre pertencimento e exclusão.

Este nível não precisa de muitas explicações, pelo menos suponho que a maioria das pessoas tem alguma noção do que seja, se bem que há uma série de distorções, má interpretação ou mesmo manipulação pura e simples daqueles que se dizem representantes do divino na Terra. A verdadeira consciência espiritual não impõe limites, é o amor incondicional. Os fatos são aceitos como são, a Vida e suas múltiplas manifestações são integradas e incorporadas ao conhecimento e percepção dos indivíduos e grupos. Seria semelhante às circunstâncias pelas quais passamos e ficamos num clima de pura aceitação daquilo que é, como é, sem julgamentos.
No caso do preconceito com os homossexuais sua origem na maioria dos casos é de cunho moral e religioso, ou seja são antes ideias sem fundamentação no conhecimento desenvolvido recentemente sobre os processos antropo-bio-psíquicos humanos. Quando alguém mostra preconceito acerca deste tema costumo perguntar: O que você conhece sobre a sexualidade humana? Já leu algum livro sobre o assunto? Conversou com algum homossexual para saber como ele/a se sente em relação à sua sexualidade? Conhece como outras culturas, povos e religiões se comportam em relação a essa expressão sexual humana? Na maioria das vezes as pessoas dizem não a todas essas perguntas. Portanto a ignorância acerca de si e das possibilidades de ser  diferente impera.
No Brasil, como em boa parte do mundo, esse preconceito é alimentado principalmente pelas igrejas e seus seguidores e certamente muito poucos dos representantes dessas instituições estão abertos a entrar em contato com saberes, conhecimentos e formas de pensar acerca de qualquer assunto que contradiga aquilo que está em seu mundo dogmático fundamentado no  “livro do profeta”, em especial sobre sexualidade. O que faz com que cada vez mais se afastem do que realmente importa que ao meu ver é a manifestação da própria Vida, aliás o único livro realmente escrito pelo Criador. Como este livro parece estar cheio de assuntos mundanos, sem harmonia e contrários às tradições e dogmas fica muito difícil para algumas instituições modernizar o discurso e se adequar a realidade, que insiste em mostrar que alguns valores estão equivocados. Pelo menos, até onde conheço as propostas do Cristo, não me lembro de ter lido uma linha ou ouvido alguma história na qual ele excluísse qualquer pessoa, sempre acolheu, não julgou ninguém por ser assim ou assado, pelo que fez ou deixou de fazer, muito pelo contrário. Como estava conectado com as forças espirituais, enxergava além do mundano e tinha noção da beleza que se encerra em cada um de nós.
Se queremos nos espiritualizar, tornar-nos mais gente e humanos do que somos, nos aproximar mais de nossa divindade, é preciso fazer um esforço e aplicar a lição: “orai e vigiai”, Orar pedindo lucidez e esclarecimento e vigiar nossos pensamentos e atos e ver se estão de acordo com os propósitos de evolução de nossa consciência. Como dá para observar pelo noticiário e alguns programas de TV, elevar-se, aumentar a compreensão e se transformar em algo melhor passa longe da cabeça de algumas pessoas.
Como já disse em outro texto a alma é imoral, não está presa às convenções sociais, age de acordo com o momento, com o que é possível e interessante para seu desenvolvimento enquanto ser integral. Não há como seguir um script, quando privilegiamos o script na maioria das vezes nos magoamos e estamos mais distantes de nossa conexão com nossa divindade.
São realizadas muitas campanhas para diminuir ou acabar com a violência, de alguma maneira são efetivas, mas poderiam ter maior alcance se além de se preocupar em aumentar a vigilância, a repressão e punição de tais atos fosse também realizado um programa de educação, no qual fossem ensinados o entendimento e respeito a diversidade humana em todas suas manifestações. Quem sabe com isso consigamos ter uma sociedade mais justa, ética e harmônica, usando de processos inteligentes e mais eficazes de lidar consigo e com o outro, com menos ilusões e conceitos equivocados de separação, afinal até prova em contrário somos todos irmãos, cientificamente falando, pois todos nós possuímos o mesmo DNA e pertencemos a uma única espécie.